Os campos de concentração no Ceará
Hoje iremos abordar o tema dos campos de concentração no estado
brasileiro do Ceará, evento que também ficou conhecido como "Os Currais
Humanos" ou "Currais do Governo". Esse foi um dos tantos eventos
ocorridos no Brasil, que não entraram para os livros de história e
demonstram perfeitamente como os governos de antigamente tratavam as
questões sociais no Brasil, não atendendo a necessidade dos pobres, mas
sim atendendo a exigências dos ricos e afortunados.
Uma situação histórica: As secas e os governos brasileiros
O trecho que segue abaixo serve para ambientar o leitor do ponto de
vista histórico de um problema que até hoje atinge toda a região
nordeste do Brasil, a seca e a incompetência administrativa relacionada a
ela.
Os períodos de estiagem com grave carestia (fome
generalizada) que fazem parte do clima do Nordeste
brasileiro despertaram (e despertam) a atenção dos governantes desde a
época do Império de D. Pedro II. E, por sua vez, estes reagiram com
planos e projetos nas áreas de engenharia, social e política, tentando
assim amenizar as consequências das secas tanto para as populações
diretamente afetadas (os flagelados), bem como as classes políticas
locais. Atuando algumas vezes apenas para defender os interesses das
classes dominantes, e até de maneira desastrosa em alguns casos.
Um exemplo na área social foram as ações durante a seca de 1877–1879.
Nesta, o governo do império incentivou a migração de uma grande parte da
população do Ceará para a Amazônia e outras regiões. Com esta campanha,
os migrantes cearenses agilizaram o primeiro Ciclo da Borracha.
Essa campanha se repete na seca de 1943, desta vez coordenada e
centralizada por uma instância federal, o Serviço Especial de
Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia — SEMTA, com o apoio
financeiro dos Acordos de Washington, e assim agilizou o segundo ciclo
da Borracha. Os Acordos de Washington, foram uma série de acordos
assinados após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Esses
acordos previam que o governo Americano patrocinaria algumas obras
visando o desenvolvimento industrial brasileiro, em troca da
participação do Brasil na Guerra. Quando os americanos financiaram o
segundo ciclo da borracha em 1943, devemos perceber que a borracha
brasileira era um artigo de extrema importância na época visto que
borrachas sintéticas ainda não eram difundidas e desenvolvidas o
suficiente, cito como exemplo dessa importância a construção de uma
cidade na região norte do Brasil, pela empresa Ford. Tal cidade tinha
por finalidade abrigar os trabalhadores que iriam processar a borracha a
ser enviada para as fábricas da montadora de veículos. Agora fica a
pergunta, o governo brasileiro quando deu início a esse ciclo da
borracha estava pensando no plano social, de aliviar o sofrimento
daqueles que foram atingidos pela seca, ou estava interessado em atender
as vontades e demandas americanas?
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Imagem da cidade
construída no final da década de 20 pela Ford, na Amazônia brasileira, e
que ficou popularmente conhecida como "Fordlândia" |
Como exemplo da ações na área de engenharia temos a iniciativa de D.
Pedro II, que depois da seca de 1877 envia uma equipe de engenheiros
para a região nordestina para estudar as possibilidades de projetos de
engenharia com a intenção de amenizar as conseqüências das secas. Os
resultados desses estudos, realizados por engenheiros brasileiros e
ingleses, indicaram a construção de barragens ou açudes. Um bom exemplo
disto é o projeto da construção do Açude do Cedro, uma obra que foi
iniciada pelo primeiro governo republicano de Deodoro da Fonseca e
finalizada na gestão de Afonso Pena.
A criação do Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), atual
Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), em 1909 por Nilo
Peçanha é uma das respostas governamentais ao fenômeno da seca.
Os campos de concentração no Ceará ou os "currais do governo", foram
reações governamentais executadas nas secas de 1915 e 1932 no estado do
Ceará.
A seca do Quinze
A seca de 1915 foi o cenário para obras escritas como o livro O Quinze,
de Raquel de Queiroz, bem com para a implantação do primeiro campo de
concentração no Ceará, no Alagadiço, ao oeste de Fortaleza.
No Alagadiço, estima-se um ajuntamento de 8 mil pessoas, "cuidadas" com alguma comida e sob a vigília de soldados.
A razão para o uso desta estratégia foi os temores de invasões e saques
dos flagelados da seca em Fortaleza — isso já acontecera na seca de
1877, quando sertanejos famintos invadiram a capital cearense,
atemorizando a população urbana.
Esse campo foi desfeito e as vítimas foram dispersadas em 18 de dezembro do mesmo ano.
Durante essa seca, muitos cearenses, seguindo "orientações" dos órgãos do governo, também migraram para a Amazônia.
Fica claro nesse trecho que em nenhum momento o governo pensou medidas
para solucionar ou ao menos amenizar os efeitos da seca, as medidas
foram apenas de contornar o problema e esperar chover. As medidas, ou a
falta de medidas eficientes, forçou o sertanejo a sair de sua residência
e se aglomerar em galpões, ou migrar.
A seca de 1932
Na seca de 1932 o nordeste brasileiro sofria com as consequências da
estiagem, mas também vivia um momento histórico próprio dentro da era de
Getúlio Vargas; Lampião e seu bando centralizavam as atenções dos
políticos; as oligarquias políticas do Nordeste mudavam de nomes: Padre
Cícero ainda tinha influência política e milagrosa para os sertanejos e a
irmandade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto atraia centenas de
flagelados para os arredores de Crato, no Ceará.
Com o temor da intensa invasão de flagelados para Fortaleza — e para
outras grandes cidades do Ceará — a estratégia dos "Currais do Governo"
mais uma vez foi implantada, só que desta vez não somente em Fortaleza,
mas também em cidades com alguma estrutura básica e com estações de
trens. Além dos campos de concentração na capital da Terra da Luz, um no
já conhecido Alagadiço e um outro no noroeste da capital, no Pirambu
(ou Campo do Urubu como ficou conhecido), foram instalados outros em
Crato (abrigou 16200 pessoas), em Cariús (26468 pessoas abrigadas), Ipu
(erguido as margens da estrada de ferro, abrigou 6507 pessoas), Quixadá,
Quixeramobim (abrigou cerca de 4542 pessoas) e Senador Pompeu (16221
pessoas), segundo fonte de Kênia Rios.
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Curral Senador Pompeu |
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Paiol Concentração Fortaleza |
Os sertanejos ali alojados recebiam algum cuidado e comida, e podiam
trabalhar nas frentes de obras, sempre sob a vigilância de soldados.
Isso não nos lembra uma prisão, onde "detentos" cumprem sua pena e tem a
"possibilidade" de trabalhar?
Estima-se que cerca de 73 000 flagelados foram confinados nesses campos
onde as condições eram desumanas, o que resultou em inúmeras mortes.
Ainda durante essa seca, flagelados cearenses foram enviados para o
combate nas trincheiras da Revolução de 1932 em São Paulo.
Documentos perdidos
A “Justiça” cearense, manobra de todas as formas possíveis, extinguindo
as ações sem julgamento de mérito , tentando com isso fazer permanecer
no esquecimento essa página negra da nossa história.
Toda documentação desses genocídios e infames campos de concentração
tupiniquins tem sido oculta ao longo das décadas, embora haja hoje ação
na justiça solicitando a identificação via DNA, de todos os mortos
sepultados em valas comuns e seu translado para cemitérios regulares.
Pleiteia-se também indenização para os sobreviventes e seus descendentes.
O papel da Igreja nesse processo
O policiamento e a vigilância nos campos de concentração eram
ostensivos. O movimento dos flagelados era vigiado constantemente. Dos
campos só poderiam sair, teoricamente, com a autorização dos policiais
inspetores. A Igreja católica, também se fazia presente. levavam aos
miseráveis o que diziam ser a palavra de Deus, a vigilância e o controle
dos famintos.
Deveria torná-los mais obedientes e dóceis. “Os pobres não se maldiziam,
não se revoltavam, mesmo porque o padre dissera no sermão que ali
proferira, à hora da missa campal: - ‘Todos se confortassem com a
vontade de Deus. São Sebastião livraria da peste. Aquela seca era para
purgar os pecados. Mais difícil era um rico entrar no céu que um camelo
passar no fundo de uma agulha’. E eles chegavam a acreditar, achando que
havia compensação na sua pobreza – e nunca se revoltaram”, anotou
Magalhães Martins, que vivenciou aquele momento, escreveu em seu livro
de contos, Mundo Agreste, sobre aquele episódio: “O comboio apanhava
mais flagelados em cada estação – Pinheiro, Novas russas, Ipueiras. Nos
vagões se confundiam homens, mulheres, meninos e velhos, com os bichos
brutos (...) Também, em promiscuidade, os sadios e os doentes –
tuberculosos, epiléticos, assezoados, até loucos (...). Vinha gente de
diferentes regiões – do centro e dos confins do Estado, do Alto
Jaguaribe. Todos demandavam Ipu como a Terra da Promissão. Correra a
notícia exagerada de que não faltava inverno na Serra Grande, feito um
celeiro, sendo o Ipu, ao sopé da cordilheira, uma rota dos produtos.
No campo do Ipu o vigário, Monsenhor Gonçalo Lima, semanalmente
celebrava missas, casamentos, batizados. Ali foi erguida uma capela,
onde o padre celebrava os cultos religiosos para a “cidade dos pobres”.
O saber médico também estava presente no Campo de Concentração. Todos
que chegavam deveriam ser vacinados. Havia uma preocupação com a
vacinação constante dos flagelados. Embora a vacinação fosse
obrigatória, muitos, não acostumados, resistiam. Mas mesmo assim o
número de pessoas vacinadas era pequeno, seja pela resistência ou mesmo
pela pequena quantidade de vacinas disponíveis.
Também havia uma preocupação muito grande com as condições de higiene no
campo, como vimos. Não obstante, as epidemias não foram evitadas. O
tifo, a “disenteria”, o sarampo e outras doenças ceifaram muitas
vítimas.
A questão social e o medo da burocracia urbana
Todo um aparato coercitivo era justificado pelo medo que as aglomerações
de retirantes gerava na população. As doenças contagiosas era um dos
espectros que rondavam os Campos de Concentração e aterrorizava as
classes dominantes. Seu combate tinha que ser incessante sob pena de
extrapolar os “muros” do campo e atingir as famílias “distintas”. Havia
no Campo do Ipu uma média diária de seis a sete mortos. Só entre abril
de 1932 e março de 1933 registraram-se, de acordo dados de Kênia Rios,
milhares de mortos, a dificuldade em fazer levantamentos exatos a
respeito desses números acontecem em função da pouca documentação a seu
respeito, e a documentação que existe, coloca as pessoas mortas dentro
dos campos junto ao montante total de pessoas que morreram em
decorrência da seca. Para se ter uma ideia entre 1877 e 1913, portanto
ainda sem os números da seca de 1915, o governo federal, por intermédio
do IOCS estimava que 2 milhões de pessoas haviam morrido em consequência
da miséria nas estiagens.
A classe dominante urbana temia as epidemias, e assim as pessoas pobres
eram trancadas em lugares onde as epidemias encontravam o ambiente
perfeito para se proliferarem, mas isso não era problema para os ricos,
desde que o enfermos ficassem longe.
Recordações desse sofrimento
Mãos e rosto enrugados, olhar profundo, voz miúda, corpo castigado. Aos
84 anos, uma das últimas sobreviventes do campo de concentração de
Senador Pompeu, Luiza Pereira, dona Lô, ainda recorda passagens
angustiantes do cativeiro erguido no sertão do Ceará, comparado aos
campos nazistas. Única herdeira viva dos oito filhos do casal de
agricultores José Pereira e Josefa Bezerra, todos de Tauá, dona Lô
continua solteira, morando em uma casa modesta próxima ao centro dessa
cidade do sul do estado, outrora próspera devido à infraestrutura
ferroviária, no corredor de escoamento do “ouro branco”, como eram
conhecidas as plumas de algodão colhidas na região.
A passageira do “curral do Governo”, como também eram conhecidas as
áreas de agrupamento de retirantes espalhadas pelo Ceará naquele ano de
1932, ainda fala com lucidez e firmeza sobre a época. Ao registrar o
sofrimento dos pais e da irmã, nascida e morta no campo onde mais tarde
se ergueu a barragem do açude Patu, revela o trauma que a fez abdicar de
se casar e ter filhos.
“Tenho muita coisa pra dizer não. Minha mãe não deixava nós desgrudar
dos pé dela. Era muita gente. Ela tinha medo de alguém carregar eu e meu
irmão. Do resto todo mundo já sabe. Perdi a conta de quantas vez já
repeti tudo isso. O sofrimento foi medonho… Quando chegamos neste lugar,
após caminhada de 16 léguas, deitamos ali mesmo, no chão. Exaustos, sem
ter o que comer, minha mãe ferveu água para passar a fome. Era apenas o
começo dessa miséria que nunca esqueci… Desesperado, meu pai resolveu
carregar a gente de Tauá para cá (Senador Pompeu) à procura do que comer
e beber. Mas se estava ruim ficou pior.”
Carmélia Gomes Pinheiro, de 87 anos, foi criada em Senador Pompeu, na
Vila da Comissão, onde ainda mora. Seu pai, Antônio Gomes da Silva, foi
vigia noturno do campo. Ela tinha 8 anos quando começou a ver famílias
chegando de todos os cantos do sertão. Pouco saía. Os pais ficavam
preocupados. Das colinas do outro lado da vila sabia apenas de imaginar e
de ouvir as descrições da irmã, 12 anos mais velha, que às vezes doava
alimentos aos flagelados.
“A maioria era desviada. Medicamentos, chegavam poucos para atender a
tantos doentes. Roupas não eram enviadas. Quando as vestimentas já
estavam aos trapos, os corpos eram cobertos com sacos de mantimentos.
Muitos sacos eram costurados e transformados em camisões. E era assim
que a maioria era sepultada. Com receio de arrancarem o fígado dos
mortos quando eram jogados nas valetas do cemitério, muitas famílias
enterravam seus mortos no mato, escondido”, conta. Carmélia lembra um
momento marcante naquele ano da concentração, quando caminhando pelo
campo viu corpos ainda não enterrados. Ficou paralisada. “Vi uma
lagartixa saindo de dentro da boca de um dos mortos.”
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Crianças que não resistiram e morreram, seu corpos atirados as margens da linha do trem |
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Imagem acima é semelhante a imagem anterior, porém essa representa o campo de concentração nazista de Auschwitz |
Uma breve reflexão
No texto acima vimos como o governo agiu seguindo interesses de minorias
dominantes, e fica a sensação, pelo menos em mim, de que nada mudou de
fato. Pergunto a vocês meus caros amigos e amigas, os programas sociais
de distribuição de renda que vemos hoje em dia, são a solução para o
problema para os pobres do Brasil? Ou será que eles são apenas uma forma
de compra de votos? Ou ainda podemos pensar da seguinte maneira...Será
que esses programas não visam apenas tornar consumidores aqueles que não
tinham condições de consumir, atendendo dessa forma as necessidades
econômicas de empresas que atuam em território tupiniquim?
Deixo bem claro que não sou contra a distribuição de renda, acredito que
o problema dos programas sociais do governo não é o bolsa família-fome
zero, mas sim ter parado no bolsa família-fome zero. A
distribuição de renda é importante, mas ele deve vir acompanhada de
melhorias no sistema de educação, saúde, saneamento...e daí por diante.
Esse assunto é sempre motivo de discussões acaloradas, e devem ser de
fato.
Essa postagem é um oferecimento do Blog Rusmea: